A matéria que ora reproduzimos foi publicada no jornal “O Consequente“, do Rio de Janeiro, nº 3, de 23 de janeiro de 1836, é uma crítica ao chamado Governo dos Moderados, e em alguns pontos faz um comparativo entre a situação no Rio Grande do Sul, sob a revolução Farroupilha, e a do Pará, sob os acontecimentos da Cabanagem. A grafia foi atualizada. Inserções do blog estão entre colchetes. O grifo no texto é nosso.
INTERIOR.
As palavras mágicas da proclamação do Sr. Bispo Regente – será o principal cuidado do G. a escolha dos empregados públicos; eles serão aproveitados, onde quer que se encontrem, quaisquer que tenham sido até agora as suas opiniões, e o partido que tenham seguido, e pertencido – vão de dia a dia sendo entendidos, conforme a intenção de quem as escreveu: veja-se a lista dos chamados para assinar bilhetes de papel moeda que vai emitir o Sr. Manoel do Nascimento. Não são os empregados das repartições extintas (que foram extintas para se criar novas inúteis e dispendiosíssimas, e que deviam ser preenchidas com atiradores de pedradas e desordeiros conhecidos) que se chamaram para aquela pechincha dos réis por assinatura, não, foi o sogro de um irmão do Ministro da Guerra, que já desfruta um gordo ordenado na casa do inocente Imperador; foi o senhor Faustino cujo genro Lima e Silva é secretário de guerra, vogal do Conselho Supremo e deputado, tudo alcançado depois de 7 de abril, e o senhor Machado de Oliveira, cujos procedimentos no Pará muito influíram para as desordens de Malcher, por terem aqui sido louvados, e um tal Padre Geraldo, criatura do Sr. Evaristo & C. É desta maneira, que se zomba dos bigodeados brasileiros, teimando com uma contumácia a mais impudente em converter as rendas do Império em propriedade de criaturas das chamadas notabilidades da Moderação: e não se contentam com um proceder tão injusto e ruinoso para a associação brasileira, ainda achincalham os crédulos, e de boa-fé, dizendo-lhe em proclamações que vão proceder de outra maneira. É assim que correm os tributos onerosos, que pagam os oprimidos brasileiros, para as bolsas de uma nuvem de vorazes harpias, que voam de todos os cantos do Império com os papos vazios a encher-se nos cofres públicos. É por essa razão, que desordeiros e rusguentos das províncias encontraram motivos assaz plausíveis para pregar a separação; por isso que não é difícil demonstrar a medonha desordem do G.; e o descarado patronato, que seguidamente se observa à custa dos suores de toda a população do império! E ainda o Correio Oficial ou seu redator, cônego Januário (que de novo foi chamado pelo governo do Sr. Feijó), quer que a Assembleia Geral na futura sessão entregue ao Sr. Feijó aqueles recursos necessários, e grau de força conveniente (Correio Oficial de 11 deste mês). Hoje ninguém duvida que o governo do ex-Imperador foi muito menos opressor, mais liberal (cai-nos a pena de vergonha!), mais brasileiro mesmo do que o desses Republicanos Moderados, que lhe sucederam; e, entretanto, essa mesma gente estafava-se, intrigava, mentia torpemente, por lhe coarctar [restringir] a autoridade que a Constituição outorgou a esse Príncipe; arrancaram-lhe aqueles recursos necessários, e grau de força conveniente, em que nos fala o cônego Januário de agora, rebelaram o exército, e o sete de abril apareceu, e com ele os escândalos, as perseguições aos verdadeiros liberais honrados de mistura com os outros que se chamavam retrógrados, caramurus, restauradores. Toda a população se recorda desses atos de iniquidade, e de ingratidão a mais feia, sendo ministros os senhores Feijó e Manoel de Lima. E quando tudo aconselha a reconciliação, quando a política se casa com a justiça, determinando que cessem os ódios e as rancorosas reminiscências do passado, e quando a administração, sem se apartar uma linha da sua vereda moderada, e parcial, remete para o Pará ao brigadeiro Soares [refere-se a Francisco José de Sousa Soares de Andrea], com oficiais de que o governo permanente tinha ódio (já dissemos e todos conhecem, que o Governo de então compõe o atual, e até com os mesmos indivíduos, e escravos das mesmas influências) para serem sacrificados; pois de outra maneira não se pode explicar uma tal lembrança, à vista do espírito do norte do Brasil, e do que se escreve por ali, e de que o governo muita notícia tem. Mas é a essa gente que se pretende armar de força! Se tal calamidade acontecer, se ainda a Assembleia Geral consentir esse crime, ver-se-á o Brasil retalhado, e fumegando em vinganças e horrores. Dê-se faculdade a esses homens rancorosos, odientos de, por exemplo, dar títulos, postos militares, lugares de magistratura, fitas das ordens militares, e as outras prerrogativas, de que estava investido o ex-Imperador. Veriam Evaristo, Paulo Barbosa, Saturnino, Mestre Felis [Félix], Padre Januário, Raphael Pereira de Carvalho, João Pedro da Veiga, o Travassos, Aureliano, o cirurgião Thomé, Valadares, e mais outros que tais partidistas da ordem atual, com os títulos de condes, Grã-cruzes, e mais recompensas, que só para merecimento se criou nas monarquias, ver-se-ia as mais horrendas preterições na armada e exército etc.., o resultado havia de ser a reação mais cruenta. Entretanto, é por esse grau de força que fazem votos os moderados. Deus aparte do Brasil tamanha calamidade! Nós estamos vendo que a lei do orçamento, o ministro da marinha despachou-se a si e ao desertor [John] Taylor, que a lei, que serve de regimento à regência e a todas as demais, não são respeitadas, que é o mesmo que nada, que os ministros fazem quantas arbitrariedades lhes ditam suas almas malfazejas, ou lhe vem determinada da onipotência, que reside na rua dos Barbonos (sic), ou na Ilha de Paquetá: quanto mais quando eles tiverem a desculpa das Leis!!! Deus, tende piedade do roubado Brasil!!!
Que o desgraçado Brasil está prestes a submergir-se em um oceano de males, coisa é tão patente, como o sentimento que existimos. Nota-se no Governo uma espécie de compadragem e fraternidade para com os anarquistas do Rio Grande, ao mesmo tempo que que tais rusguentos do Pará não são poupados; as línguas alugadas pelo governo com o dinheiro do império não cansam de bater contra Vinagre e Companhia. Preciso é recordamos aqui que o chefe dos republicanos no Rio Grande é o coronel Bento Gonçalves, amigo e afilhado do onipotente Sr., ao lado desse Bento figura um irmão do atual ministro da marinha e guerra, o cidadão-major (como ele se expressa na sua Ordem do Dia) J. M. de Lima e Silva, que é agora general comandante das forças dos sublevados continentinos, e com esses indivíduos que tão bons apoios têm aqui na Corte, e no governo, se acham muitos outros indivíduos apaniguados do Aurora, e súcia, que continuam a obstruir os tribunais, e influir em tudo, como antes da subida à Regência, do seu amigo o Reverendíssimo e Excelentíssimo bispo eleito de Mariana o senhor padre Feijó. Também não é fora de lugar que observemos que os Moderados vitoriosos do Rio Grande têm praticado excessivas violências e mortes; não é possível dizer que ali o sangue brasileiro não foi derramado, que ali não tem infligido castigos canibais, como são dúzias de bolos em cidadãos muito respeitáveis por sua idade, fortuna, e posição social. E bem se pode cuidar que as atrocidades seriam mesmo excedentes a do Pará se para lá se mandasse um estrangeiro ébrio e muito desacreditado com um velho impotente, cujo nome servisse de aresto para todas as calúnias imagináveis e exaltassem o espírito desordeiro. Ora, por cá vemos a marcha do governo ser a mesma, sem diferença, que seguira o passado do governo da Regência Permanente Os empregados públicos de maior influência e grande ordenado, que se haviam empossado desses patrimônios, continuam a ser religiosamente mantidos nos seus empregos, por maior que seja o clamor do Brasil inteiro. As palavras mesmo da proclamação do Sr. Feijó, e dos seus quatro ministros bem examinadas, querem dizer que todos os lugares do Estado serão continuados para o gozo dos moderados, pois que só moderados foram chamados para os postos importantes da sociedade, durante a Regência passada, e atual. A tanta extensão foi levado o sistema de fazer propriedade dos moderados, os ordenados e estipêndios, que o Estado paga aos servidores que, ainda aumentados, não satisfez a avareza das aves de rapina; por isso vemos que até empregos que não são de nomeação do governo, e que são lucrosos, são agarrados, a mil pretextos, pelas criaturas da ordem do dia; não se dirá que falamos sem apontar fatos. Até agora clamava-se contra os jogos das loterias, agora um cento delas, velhas, e novas se extraem, e umas atrás das outros, e o mano do Aurora é o tesoureiro impreterível de todos, o membro influente da câmara municipal, João Pedro da Veiga. Até isto! Uma esfomeada moderocracia, se nos permitem a palavra, devora e consome todas as rendas do Império com uma impudência custosa de acreditar, reforma, regulamentos etc., aumentando ordenado, e lugares inúteis para acomodar súditos. Vejam-se os regulamentos para assinatura dos novos bilhetes. Seria um nunca acabar, se tentássemos enumerar os fatos desta natureza. E é assim que o império há de prosperar? É dessa forma que se há de conter a torrente de desgraças, que embicam contra o desolado Brasil. Para isto foi feita a revolução de 7 de abril! E que melhor vitória querem aqueles, que amaldiçoaram esse desacato desde o principio? Que mais querem os inimigos do 7 de abril? Vejam como são aborrecidos, e injuriados pelos moderados, alguns honrados cidadãos influentes daquela revolução, que são honrados liberais, e que não quiseram sujeitar-se ao mando torpe e injurioso dos moderados. Nem esperanças há de melhoramento; antes o trovão revolucionário, e sanguíneo, troveja de maneira espantosa já no Sul e no Norte do império, se os liberais não se unem debaixo da bandeira da honra e das leis, se o ministério não cai, em quem nenhuma confiança nacional pode haver, por isso que estão debaixo dessa maligna influência moderada. Desengane-se o Brasil! É tempo de cuidar de sua conservação! Basta de governo de Moderados!